Somos aqueles que martelam e não incomodam; somos a língua estranha, os balbúrdios
Os que nascem na memória dos desmemoriados
Os sadios que merecem ser amarrados, que bebem sem medo dos vermes que rondam a água cristalina
Somos a mudança lenta, o movimento calado, o vento na cara e quem apanhou
Somos os pintores do cinza de monóxido que criam cores nos pórticos fedidos
Somos o ferrolho aberto esperando a revolução
Somos o silencioso corte no útero da parideira
A vontade da vida escondida nas 7 horas do relógio
Somos o muito do pouco arroz, do pouco ouro
Somos a riqueza da simples miçanga no rastafári do negro que varre a rua
Somos os incompreendidos, drogados de vida, escondidos atrás das barbas
Somos os sem-analistas do divã do ônibus; os frangos desalmados do congelador
Somos os poetas da língua amputada, o gás, o carvão
Somos os livros não escritos pelas mãos da enxada que não sabe escrever
Somos a manta do frio da febre do trabalhador autônomo que não tem autonomia
Somos a dignidade do cartão de crédito não concedido
Somos a fila que corre vazia na porta dos supermercados
Somos todos os seres, somos todos os nadas
Somos todas as vidas, mudas, surdas, caladas!